Erotização precoce no Superior Tribunal de Justiça e o direito à imagem de crianças e adolescentes
- Geicimara Kelen
- 14 de mai. de 2021
- 6 min de leitura

Foto: Soldt/by Getty Images
Estudiosos consideram que o uso das tecnologias se tornou uma extensão do homem que utiliza de tais mecanismos para livrá-lo de suas limitações ou facilitar e melhorar suas faculdades[1]. Exigindo do indivíduo uma compreensão acerca dos contornos que acompanham o advento desta nova fase. Isso porque, os seus direitos existenciais submetem-se a uma nova realidade, não sendo possível e eficaz resguardá-los da mesma maneira, pois estão expostos a intensa violação. Este fator faz com que a sociedade, juristas e estudiosos se mantenham em constante debate para assegurar a proteção e os direitos dos usuários.
No que diz respeito à exposição de crianças e adolescentes, o uso da tecnologia torna ainda mais sensível a questão, pois elas são submetidas a uma condição de intensa vulnerabilidade que pode comprometer o desenvolvimento de sua personalidade[2]. Neste contexto, tem-se o caso da modelo mirim Vivian Redondo, que à época dos fatos contava com 13 anos de idade, que representada por seu pai interpôs o Recurso Especial nº 1.036.296/ES em razão da ofensa ao seu direito à imagem. No entanto, o posicionamento do Tribunal atribuiu à Vivian atitudes sexualizadas que não são compatíveis com a sua faixa etária, além de estar em total dissonância da tutela jurídica dada ao direito à imagem. A partir disso será feita uma análise desse instituto com ênfase na proteção de crianças e adolescentes.
O fato é que a agência de modelos que integrava encaminhou uma publicação para o jornal local contendo uma fotografia do seu ensaio fotográfico. A imagem foi utilizada para veicular os seguintes dizeres: "Imagens de março - Vivian Redondo não ficou nem um pouco preocupada com a presença de Scheila Carvalho em Vitória. Nem precisava, não é mesmo?". A jovem se sentiu ofendida com o fato e alegou que a comparação lhe causou constrangimentos, problemas psíquicos e a impediu de conseguir novos contratos e, por consequência, prosseguir na carreira de modelo. Além disso, afirmou que não deu autorização para a veiculação da imagem.
O Superior Tribunal de Justiça, contudo, considerou que a divulgação da fotografia da jovem seria útil para viabilizar potenciais trabalhos e que a legenda atribuída não foi ofensiva à sua integridade moral. Para isso, afirmou que a dançarina Scheila Carvalho era amplamente reconhecida no âmbito nacional pelo seu talento, beleza e formosura física, não havendo nada que desabonasse a sua reputação e, por isso, nem a de Vivian.
O direito à imagem possui amplo amparo na ordem jurídica e internacional devido à sua importância para a projeção do indivíduo na sociedade. Desse modo, é necessário o consentimento do seu titular[3] para o uso e veiculação de imagens e quando não obtido, gera o direito ao ressarcimento de perdas e danos independentemente de prova do prejuízo[4], exceto quando necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública[5]. A exploração da imagem depende de autorização expressa e vale apenas no limite para a qual foi consentida a captação ou a divulgação pelo retratado[6].
Além disso, ao comparar uma adolescente de 13 anos a uma mulher que, à época dos fatos, contava com 25 anos e que era tida como desejo de muitos homens, a reportagem atribuiu a Vivian características e comportamentos que não pertenciam a sua fase, o que foi apoiado pelo Poder Judiciário. A comparação trata de evidente erotização precoce, uma vez que foi associada a atitudes sexualizadas. O posicionamento, portanto, não considera os efeitos negativos e prejudiciais desta concepção para o desenvolvimento da jovem. Ademais, não considerou o fato que a utilização indevida da imagem configura, por si só, dano indenizável, independente se sua repercussão tivesse sido benéfica[7].
Em vista do exposto, percebe-se a violação da doutrina da proteção integral da criança e do adolescente. Isso porque é dever da família, da sociedade e do poder público a busca pela plena concretização dos direitos fundamentais previstos no art. 4º do ECA[8]. Além disso, nas demandas que envolvem esses sujeitos, sejam elas relativas ao poder familiar, aos direitos de personalidade, entre outras, o juiz, necessariamente, precisa tomar a decisão que atenda ao melhor interesse desses indivíduos[9].
Devido à condição peculiar de sujeitos em desenvolvimento, atitudes como a exposta acabam por influenciar em como se projetam na sociedade, refletindo na construção da sua personalidade[10]. Desse modo, crianças e adolescentes necessitam de uma tutela mais específica do seu direito à imagem, bem como uma atenção mais detida do poder judiciário para proteger os seus direitos, de forma que seja capaz de zelar pelo desenvolvimento desses indivíduos.
Texto por: Ana Sarah Vilela
NOTAS DE RODAPÉ:
[1] PALHANO, Rodrigo. Entendendo McLuhan: O Básico. Blog Rodrigo Palhano, [s.l.]. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3bSdskq. Acesso em: 01 de mar. 2021.
[2] É visto como um complexo de valores que integra o ser humano e são essenciais para o desenvolvimento das suas características, aptidões e capaz de garantir a projeção do indivíduo na sociedade a partir da sua própria concepção de dignidade. OLIVEIRA, Ana Sarah Vilela de; SANTOS, Brenda Laura Silva. A tutela da imagem das crianças e adolescentes na mídia - uma perspectiva diante da erotização precoce. In: VIEIRA, Marcelo Melo; LARA, Mariana Alves (Org). O Direito Civil nos Tribunais Superiores - Anais do V Congresso Mineiro de Direito Civil. 1. ed. Belo Horizonte: Initia Via, 2020, v. 1.
[3] No caso em questão se faz necessário o consentimento da Vivian, mas também de seu pai, uma vez que a lei determina a representação legal pelos pais até os 16 anos, e a sua assistência entre 16 e 18 anos.
[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2. Seção). Súmula 403. Brasília, 2009. Disponível em: https://bit.ly/2UsonIX. Acesso em: 01 de mar. 2021.
[5] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Planalto, [2002]. Disponível em: http://bit.ly/33oa2Bm. Acesso em: 01 de mar. 2021.
[6] JÚNIOR, David Cury. A proteção jurídica da imagem da criança e do adolescente. 2006. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006. Disponível em: https://bit.ly/2WE72zp. Acesso em: 01 de mar. 2021.
[7] SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas. 2011.
[8] Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Planalto, [1990]. Disponível em: https://bit.ly/2INuyC8. Acesso em: 01 de mar. 2021.
[9] OLIVEIRA, Ana Sarah Vilela de; SANTOS, Brenda Laura Silva. A tutela da imagem das crianças e adolescentes na mídia - uma perspectiva diante da erotização precoce. In: VIEIRA, Marcelo Melo; LARA, Mariana Alves (Org). O Direito Civil nos Tribunais Superiores - Anais do V Congresso Mineiro de Direito Civil. 1. ed. Belo Horizonte: Initia Via, 2020, v. 1.
[10] OLIVEIRA, Ana Sarah Vilela de; SANTOS, Brenda Laura Silva. A tutela da imagem das crianças e adolescentes na mídia - uma perspectiva diante da erotização precoce. In: VIEIRA, Marcelo Melo; LARA, Mariana Alves (Org). O Direito Civil nos Tribunais Superiores - Anais do V Congresso Mineiro de Direito Civil. 1. ed. Belo Horizonte: Initia Via, 2020, v. 1.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Planalto, [2002]. Disponível em: http://bit.ly/33oa2Bm. Acesso em: 01 de mar. 2021.
______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Planalto, [1990]. Disponível em: https://bit.ly/2INuyC8. Acesso em: 01 de mar. 2021.
______. Superior Tribunal de Justiça (2. Seção). Súmula 403. Brasília, 2009. Disponível em: https://bit.ly/2UsonIX. Acesso em: 02 de mar. 2021.
______, Superior Tribunal de Justiça (4. Turma). Recurso especial nº 1.036.296 – ES. Recurso especial. Responsabilidade civil. Estatuto da criança e do adolescente. Veiculação da imagem de menor impúbere em coluna jornalística, com legenda de comentário. Adolescente iniciada na Carreira de modelo profissional. Dano moral e material. não ocorrência. Publicação de uma das várias fotografias fornecidas pelo genitor. Inexistência de ofensa à dignidade da menor. Legenda com teor elogioso. Fotografia sóbria e artística. Ausência de incompatibilidade com a atividade profissional em questão. Publicação desprovida de finalidade lucrativa. Anuência do responsável legal presumida. Peculiaridades do caso. Recurso especial não provido. Recorrente: V R – Menor Impúbere. Recorrido: S/A A Gazeta e Pietro Agencia de Serviços LTDA. Relator: Raul Araújo. Brasília, 21 de março de 2017. p. 4. Disponível em: https://bit.ly/33FjiB3. Acesso em: 01 de mar. 2021.
JÚNIOR, David Cury. A proteção jurídica da imagem da criança e do adolescente. 2006. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006. p. 87. Disponível em: https://bit.ly/2WE72zp. Acesso em: 01 de mar. 2021.
OLIVEIRA, Ana Sarah Vilela de; SANTOS, Brenda Laura Silva. A tutela da imagem das crianças e adolescentes na mídia - uma perspectiva diante da erotização precoce. In: VIEIRA, Marcelo Melo; LARA, Mariana Alves (Org). O Direito Civil nos Tribunais Superiores - Anais do V Congresso Mineiro de Direito Civil. 1. ed. Belo Horizonte: Initia Via, 2020, v. 1.
PALHANO, Rodrigo. Entendendo McLuhan: O Básico. Blog Rodrigo Palhano, [s.l.]. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3bSdskq. Acesso em: 01 de mar. 2021.
SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas. 2011.
Comments