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Apoios e salvaguardas: o caminho necessário para o protagonismo da pessoa com deficiência

  • Foto do escritor: Geicimara Kelen
    Geicimara Kelen
  • 7 de mai. de 2021
  • 4 min de leitura

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Fonte: desconhecida

Ponto de partida de diversos debates, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) estabelece que todas as pessoas com deficiência devem ter reconhecida sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais. Somado a isso, determina que os Estados promovam o acesso das pessoas com deficiência a suportes (apoios) capazes de dar assistência, na medida de suas necessidades, ao exercício da capacidade legal (art. 12, item 1 e 2).

Nesse sentido, ao afastar os discriminatórios e/ou paternalistas institutos de substituição de vontade, a CDPD idealiza um sistema capaz de incluir a pessoa com deficiência na vida social por meio da afirmação de sua autonomia. Não descuida, todavia, de garantir mecanismos de apoio que se mostrem necessários para um exercício pleno da capacidade, ou seja, para que haja manifestação livre e válida de vontade.

É no tênue equilíbrio desses dois elementos, a autonomia e a necessidade de apoios, que se inserem as “salvaguardas”, visto que são previstas no sentido de garantir que o apoio não se torne abusivo e prejudicial à construção e ao exercício da autonomia do indivíduo. O mecanismo se mostra necessário tendo em vista tanto a potencial situação de vulnerabilidade em que se encontra a pessoa com deficiência, quanto o histórico discriminatório sobre o qual se construíram os institutos tradicionais relativos à capacidade legal. É por essa razão que a Convenção prevê a salvaguarda proporcional “ao grau em que tais medidas [de apoio] afetarem os direitos e interesses da pessoa”[1].

Para além disso, prevê a CDPD no artigo 12, item 4, que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal devem incluir salvaguardas capazes de garantir que tais medidas:

  1. Respeitem os direitos, as vontades e as preferências da pessoa;

  2. Sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida;

  3. Sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa;

  4. Se apliquem pelo período mais curto possível;

  5. Sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente, independente e imparcial;

Diante de tais previsões, é possível inferir que os apoios ao exercício da capacidade legal devem estar em constante dinâmica com as necessidades da pessoa com deficiência. Sua duração pelo menor tempo possível evidencia a transitoriedade da medida de apoio, que deve ser encarada como um processo destinado, ao menos idealmente, a um “ponto de chegada”[2], identificado no momento em que não mais é necessária. Assim, o objetivo do apoio é mais amplo do que o auxílio pontual para o exercício de determinados direitos. Em última instância, deve ser um instituto emancipador.

Deste modo, as medidas relativas à incapacidade não devem ser inspiradas por uma visão estática da pessoa com deficiência, especialmente de suas dificuldades, mas devem ser pensadas enquanto mecanismos que a auxiliem na construção e desenvolvimento de suas habilidades. Nesse sentido, revisões regulares por uma autoridade competente são necessárias na medida em que devem buscar avaliar se a medida adotada ainda é proporcional às necessidades do sujeito, ou se algo sucedeu que tornou necessário modificar os termos do apoio ou retirá-lo completamente.

Ainda, tais revisões devem também se atentar ao possível cometimento de abusos. À título de exemplo, se há decisões sendo tomadas sem o conhecimento da pessoa apoiada; se está havendo esforço de considerar as vontades e preferências da pessoa que recebe o apoio, e nelas interferir o mínimo possível; ou se está ocorrendo algum tipo de manipulação do apoiado em benefício do apoiador.

Diante disso, em oposição ao velho sistema de substituição, a pessoa com deficiência não deve em nenhum momento ser vista enquanto “submetida” ao apoio. As salvaguardas reforçam que o apoio seja uma medida coadjuvante[3] à pessoa com deficiência, protagonista da própria vida e das próprias decisões[4]. A solução ideal para os diversos debates a respeito dos institutos relativos à capacidade civil não está nem em medidas “de proteção” paternalistas, nem em um desamparo completo fundado em um discurso de autonomia enquanto ausência de qualquer interferência. A resposta perpassa, necessariamente, pelo reconhecimento e respeito às particularidades e necessidades únicas de cada pessoa, um pressuposto essencial para o respeito à sua dignidade.

Texto por: Flávia Siqueira

NOTAS DE RODAPÉ:

[1] Nas palavras de Vitor Almeida, “O modelo de apoio, insculpido pela Convenção, reconhece que a intensidade do suporte dependerá da gravidade da deficiência e seus efeitos limitadores sobre a higidez psíquica da pessoa, impedindo-o de manifestar objetivamente sua vontade de forma válida. (ALMEIDA, Vitor. A capacidade civil das pessoas com deficiência e os perfis da curatela. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 202).

[2] ROSENVALD, Nelson. Aplicação no brasil da convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência. Actualidad Jurídica Iberoamericana, Madri, [s.v], n. 4, p. 123-143, jul. 2016, p. 19

[3] ALMEIDA, Vitor. A capacidade civil das pessoas com deficiência e os perfis da curatela. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 222

[4] Nas palavras de Jacqueline Lopes Pereira: “Percebe-se a liberdade individual inserida e valorizada em contexto relacional que assegura a manifestação de suas preferências por meio de medidas de apoio proporcionais às necessidades dos protagonistas a que se destinam” (PEREIRA, Jaqueline Lopes. Tomada de decisão apoiada: pessoas com deficiência física e intelectual. Curitiba: Juruá, 2019, p. 83).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALMEIDA, Vitor. A capacidade civil das pessoas com deficiência e os perfis da curatela. Belo Horizonte: Fórum, 2019.

PEREIRA, Jaqueline Lopes. Tomada de decisão apoiada: pessoas com deficiência física e intelectual. Curitiba: Juruá, 2019.

ROSENVALD, Nelson. Aplicação no brasil da convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência. Actualidad Jurídica Iberoamericana, Madri, [s.v], n. 4, p. 123-143, jul. 2016. Disponível em: revista-aji.com/revista-numero-4-ter/. Acesso em: 11 mar. 2021.



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