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Conteúdo e forma: o estigma da linguagem como forma de opressão


A linguagem na ponta da língua, tão fácil de falar e de entender.

A linguagem na superfície estrelada de letras, sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe, e vai desmatando o amazonas de minha ignorância. Figuras de gramática, esquipáticas, atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.

Já esqueci a língua em que comia, em que pedia para ir lá fora, em que levava e dava pontapé, a língua, breve língua entrecortada do namoro com a prima.

O português são dois; o outro, mistério.

(Aula de Português – Carlos Drummond de Andrade)

O preconceito linguístico é uma realidade crescente. A verdade é que, como bem apontado por Marcos Bagno em sua obra “Preconceito Linguístico: o que é, como se faz”, utilizada como base para esse texto, enquanto outros tipos de discriminação são combatidos diariamente, com um engajamento cada vez mais intenso, essa modalidade parece passar incólume à tomada de consciência.


No texto anterior dessa série, foi abordada a importância de se escrever bem na faculdade, em especial no curso de Direito, realidade com a qual nos deparamos em nosso cotidiano acadêmico. Não podemos nunca, todavia, passar a crer que, por estarmos inseridos nesse contexto, somos superiores a quem não está, por qualquer motivo que seja, especialmente quando a razão preponderante, muitas vezes, é a falta de oportunidades. É nesse sentido que, em diversas ocasiões, o preconceito linguístico é uma forma de opressão e corrobora com a exclusão social.


Esse tipo de estigma é gerado pela falsa ideia de que existe uma única língua portuguesa correta, ideia deturpada, vez que a linguagem depende do contexto, e as variantes são legítimas. Nesse sentido, e com base na obra supracitada, tentar-se-á trazer a desmistificação de três mitos em relação a esse assunto.


O primeiro é que as pessoas sem instrução falariam da forma errada. O direcionamento, aqui, precisamente, é o mais problemático possível, já que voltado a pessoas com baixo nível de escolaridade. Dessa forma, não se critica apenas o que se fala, mas principalmente quem fala o quê, demonstrando o máximo da relação com a discriminação social. O segundo mito é de que o conhecimento gramatical é imprescindível para se escrever bem. Embora isso possa parecer realidade no meio acadêmico, não o é quando pensado fora desse ambiente. Se assim fosse, todos os gramáticos seriam os melhores escritores, o que absolutamente é equivocado. No Brasil, temos um ótimo exemplo de quebra desse paradigma: o poeta semianalfabeto Patativa do Assaré. Outro mito muito difundido e que chancela esse tipo de comportamento que vê o conhecimento gramatical absoluto como imprescindível é que o domínio da norma culta, necessariamente, é um instrumento de ascensão social, e, como tal, deve ser engolido a qualquer custo. A verdade é que de nada adiantará fornecer um conhecimento gramatical frio sendo que a pessoa (criança, muitas vezes) não tem nenhuma outra condição decente ou acesso a oportunidades. Partindo desse pressuposto, "achar que basta ensinar a norma culta a uma criança pobre para que ela suba na vida é o mesmo que achar que é preciso aumentar o número de policiais na rua e de vagas nas penitenciárias para resolver o problema da violência urbana".


O acima exposto não quer dizer, em absoluto, que não é preciso garantir acesso à educação. Este é essencial, mas em sentido amplo e contextualizado. Isso quer dizer que, ao ler um texto ou uma mensagem, não devemos nos ater à forma (que tem sua importância em certos cenários, mas não em todos), e sim dar enfoque ao conteúdo, ao que se busca comunicar. O que não pode ocorrer é deixar que a gramática se torne um instrumento de poder, controle e opressão; e no próximo texto, serão relatados casos em que isso ocorreu, deixando claro o quão problemática é tal conduta.

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