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Ensaio sobre a Função Social da Propriedade. Parte II.



Posterior à Lei de Terras (1850), outro documento normativo que merece destaque é o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), que reconhece o direito de propriedade daqueles que demonstrassem: i) a posse da terra; ii) o seu arrendamento; e iii) o trabalho/a labuta em terra alheia.


Uma importante noção trazida pelo Estatuto, ainda que naquele período tenha sido praticamente inutilizada, consiste na função social da propriedade. Conforme estabelece em seu art. 2º “É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social”. Ele ainda determinou que, por função social, se entende aquele imóvel que, simultaneamente: a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias; b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) assegura a conservação dos recursos naturais; e d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.


Estas disposições, ainda que em outro contexto, acabam por encontrar reflexo na Constituição de 1988. Através da reivindicação dos movimentos populares, que contribuíram enormemente para o movimento de redemocratização do país, consagrou-se a função social da propriedade nos seus art. 5º, inciso XXIII, e art. 170, inciso III, logo após garantir o direito de propriedade (incisos XXII e II dos arts. 5º e 170, respectivamente). No capítulo sobre a Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, especificamente no art. 186, a Constituição Federal traz o que se pode entender pelo cumprimento da função social da propriedade, dispondo que: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”.


Chegando ao nosso campo de estudo, o direito civil, depreende-se que, neste, em seus moldes individualistas e voluntaristas das codificações do século XIX, a propriedade era compreendida enquanto “um direito natural, inalienável e imprescritível, ombreado com as liberdades antepostas ao poder público, emprestando-lhe valorização exagerada” (GOMES, p. 59, 1953). Esta compreensão esbarrou-se com o Constitucionalismo do século XX¹, que refletiu na própria compreensão do Direito Civil, e que acabou por ter suas concepções relidas.


Nos próximos textos, veremos como ficará o instituto da propriedade neste novo paradigma de direito privado, laureado por novos olhares e leituras.

Referências Bibliográficas:

GOMES, Orlando. Significado da Evolução Contemporânea do Direito de Propriedade. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), p. 57 - 70. 1953.

 

¹ São marcos deste novo Constitucionalismo a Constituição Mexicana de Querétaro (1917) e a Constituição Alemã de Weimar (1919).


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