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O caso Louise Palmer: herança digital e direito à privacidade



Apesar de estarmos sempre conectados(as), dificilmente nos atentamos às consequências decorrentes de nossa vivência no mundo digital. Ou seja, quero dizer que, mesmo estando inseridos(as) em uma sociedade cada vez mais tecnológica, é muito maior, por exemplo, nossa preocupação com a representação dos efeitos jurídicos atrelados ao fim da vida no mundo físico. Nesse sentido, caro(a) leitor(a), apresento-lhe as seguintes indagações: já parou para pensar em quem poderá acessar suas contas das Redes Sociais quando você morrer? Ou, caso seja um(a) herdeiro(a), já se perguntou se teria o direito de acessar a conta do(a) ente falecido(a)?


A importância de refletirmos sobre essa questão ganha força por existir histórias como a da britânica Louise Palmer, mãe de Becky Palmer (19 anos). De acordo com o BBC Brasil[1], nos momentos finais de vida da filha, quando esta não podia se movimentar e nem se manifestar, Louise a ajudava a se conectar ao Facebook e a se comunicar com seus amigos. Contudo, mesmo com o falecimento de Becky, ela ainda mantinha acesso ao perfil, realizando, inclusive, leituras de suas mensagens privadas.


Acontece que, em razão de a conta da filha ter se transformado em memorial[2], Louise se viu impossibilitada de acessá-la. Apesar de contatar a Rede Social com o intuito de reverter essa situação, seu requerimento não foi atendido, por conta da política de privacidade adotada pela empresa. Todavia, em sua defesa, Palmer ainda ponderou que: “‘Eu sou a mãe dela e esse era o perfil dela no Facebook. Eu sinto como se o conteúdo que tinha lá fosse minha herança. As coisas que ela tinha online deveriam ser minhas para que eu pudesse acessá-las’ [...]”[3].


Apesar de Louise contar com a chancela da filha durante o período em que esta estava viva, o direito à privacidade de Becky entrou em conflito com o direito de herança de Louise, havendo a prevalência do primeiro, em virtude da ausência de disposição de última vontade e do posicionamento adotado pelo Facebook. No Brasil, a conduta da empresa estaria respaldada legalmente, devendo agir de forma contrária apenas mediante ordem judicial.[4] Como demonstrativo solucionador (?) da problemática, porém, existe o Projeto de Lei da Câmara n. 75, de 2013, que tramita no Senado Federal. O referido PLC propõe o acréscimo de um parágrafo único ao art. 1.788 do Código Civil, a fim de assegurar, no caso de a pessoa vir a falecer sem deixar um testamento, a transmissão “[...] aos herdeiros [de] todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança.”[5].




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[1] BBC BRASIL. Luta de mãe por acesso ao Facebook de filha morta expõe questão sobre ‘herança digital’, 6 abr. 2015. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/04/150406_heranca_digital_rm>. Acesso em: 02 dez. 2017.


[2] Identificada com os dizeres Em memória de, inseridos próximo ao nome da pessoa falecida, representa uma ferramenta que viabiliza o compartilhamento de lembranças por indivíduos pertencentes aos círculos de convívio do/a falecido/a. Além disso, esse tipo de conta figura, ainda, como um instrumento capaz de oferecer proteção aos dados e às comunicações dessa pessoa, na medida em que não admite login. (FACEBOOK. Central de Ajuda. Como faço para informar o falecimento de um usuário ou uma conta no Facebook que precisa ser transformada em um memorial? Disponível em: <https://www.facebook.com/help/150486848354038?helpref=page_content>. Acesso em: 02 dez. 2017.).


[3] BBC BRASIL. Luta de mãe por acesso ao Facebook de filha morta expõe questão sobre ‘herança digital’, 6 abr. 2015. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/04/150406_heranca_digital_rm>. Acesso em: 02 dez. 2017.


[4] “Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

[...]

III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;

[...].”

(BRASIL. Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Planalto. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 17 dez. 2017.)


[5] BRASIL. Projeto de Lei da Câmara n. 75, de 2013. Altera o art. 1.788 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil, para dispor sobre a sucessão dos bens e contas digitais do autor da herança. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/114625>. Acesso em: 17 dez. 2017.

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