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A rotina de um escritor: como conciliar sua vida com a escrita


Tenho 21 anos e, no começo desse ano, lancei um livro. Quando revelo isso numa conversa – não como se estivesse me exibindo, apenas contando uma informação pessoal como de quem passou na faculdade ou ficou noivo no início do mês – recebo as mais diversas (e adversas) reações. Ou a pessoa começa a me olhar como se eu fosse um alquimista que descobriu como transformar brita em ouro ou a pessoa presume que sou um prodígio daqueles que costumam nascer um em um milhão – nenhuma das duas situações é verídica no meu caso (embora a primeira, se fosse, pagaria minhas contas).


A verdade é que ser escritor exige muito trabalho, dedicação e rotina. Pediram-me que escrevesse uma coluna sobre como consegui conciliar a vida de universitário (que do mesmo modo se aplica à vida corrida que a maioria das pessoas do nosso século tem, como estudante, empregado ou empregador) com a escrita. “Como você escreveu Encruzilhadas sendo uma das pessoas mais ocupadas do curso de Direito?” Muito embora eu preferisse falar sobre isso numa conversa de bar ou tomando café numa padaria, tentarei escrever algumas palavras sobre o assunto. Trouxe três pontos que achei relevantes, mas estou aberto responder quaisquer dúvidas nos comentários ou por mensagem privada.


O primeiro é um fato: escritores de ficção são criaturas em extinção. Nosso próprio país não incentiva a literatura nacional contemporânea. Essa conjuntura começa nas escolas, quando crianças e adolescentes aprendem que literatura é tudo aquilo que morreu no século passado, e desemboca na vida adulta, no mercado de trabalho, quando editoras preferem publicar autores estrangeiros do que nacionais. Ninguém pergunta com o que você trabalha e ouve “sou escritor” com naturalidade. É um hobby, não uma profissão. Além disso, vivemos num século digital, imerso em redes sociais e informações instantâneas. Poucas pessoas sentam para ler livros, e menos pessoas ainda sentam para digitar cem mil palavras num editor de textos. Alguém que queira ser escritor precisa saber, em primeiro lugar, que será um salmão nadando contra a correnteza.


Meu segundo ponto é que conciliar o tempo de escrita com o tempo de estudos e/ou de trabalho exige um processo de compreensão e domínio do tempo em si. Comecei a escrever com 15 anos, quando eu ia para escola na parte da manhã e tinha tardes e noites livres para brincar, jogar e ver televisão (ou ficar no meu quarto escrevendo). Mesmo que eu quisesse, eu jamais poderia reproduzir essa rotina aos 21 anos, ainda menos nos 25, 30 ou 40 anos. Para conciliar o tempo, é preciso entendê-lo por completo, compreender que sua rotina é única e ninguém poderá dizer qual o melhor momento para escrever além de você. Hoje em dia, por exemplo, costumo concentrar atividades de escrita em feriados prolongados, parte das férias (quase sempre, um terço delas) e na maioria dos sábados.


Meu último (e mais sério) argumento é que faz parte da vida de um escritor não conseguir ser escritor. Responda-me a seguinte pergunta com sinceridade: você gostaria de ler livros de ficção escritos apenas por uma elite que não precisa trabalhar e estudar e que possui dias e mais dias de ócio para escrever sobre as maravilhas de seu mundo? Nem eu. J. K. Rowling cuidava de sua filha sozinha, dava aulas de Inglês à tarde e escreveu Harry Potter em bares durante a noite e, pela manhã, em mesas dos cafés. Stephen King morava com a família em um trailer, lutava contra o desemprego e, durante as madrugadas, escrevia histórias curtas, a maioria para revistas masculinas, antes de sua esposa tirar o manuscrito de Carrie, a Estranha do lixo e fazê-lo enviar para uma editora. É inerente à vida de um escritor lutar contra as adversidades do mundo para tornar sua obra real. Isto não é drama nem pedantismo, é a realidade de quem tem a paixão verdadeira pela arte. Sem ela, todas as histórias seriam vazias de sentimento. E é ela a ferramenta principal para impulsionar quem quer começar a escrever.

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