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Por que jogamos tudo “nas costas” do princípio da dignidade da pessoa humana?



Fiquei com tal pergunta “entalada na garganta”, quando dos debates a respeito do princípio da dignidade da pessoa humana, realizados na disciplina eletiva “Fundamentos Constitucionais do Direito Civil”, lecionada pelo Professor e meu orientador Gustavo Pereira Leite Ribeiro. Essa pergunta se materializou em afirmação quando conversei com o Professor Gustavo, depois da leitura do livro “Dignidade da pessoa humana”, de Daniel Sarmento.


Essa temática consistiu em uma dentre as várias abordadas na eletiva, a qual foi estruturada com a finalidade de estudar a Metodologia Civil-Constitucional, desenvolvida pelo Professor italiano Pietro Perlingieri. Por meio dessa matéria, em relação à dignidade, tivemos contato com algumas obras, que objetivavam, especialmente, abordar o conteúdo da dignidade da pessoa humana; trabalho árduo considerando a “[...] grande dificuldade em dar substância a um conceito que, por sua polissemia e o uso indiscriminado, tem um conteúdo ainda mais controvertido do que no passado.”.


Por retratar exemplificativamente a pergunta-título, destacarei um trecho do artigo de Villela (2009, p. 562, grifo do autor), a saber: “[...] O semáforo desregulou-se em conseqüência de chuvas inesperadas? Ora, substituam-no imediatamente: A dignidade da pessoa humana não pode esperar. É ela própria, a dignidade da pessoa humana, que se vê lesada quando a circulação viária das cidades não funciona impecavelmente 24 horas por dia. O inquilino se atrasou com os alugueres? Despejem-no o quanto antes: Fere a dignidade da pessoa humana ver-se o locador privado, ainda que por um só dia, dos direitos que a locação lhe assegura.”.


É fato que diante da existência de uma determinação constitucional (art. 1º, III), no sentido de que a dignidade é um dos fundamentos da República, estamos obrigados/as a observá-la. Mas como se atentar para um princípio tão caro sem, quando da tentativa de sua aplicação direta, baratear o seu valor e importância diante de casos concretos tão plurais, produtos de uma sociedade diversa, desigual, e cada vez mais científica, tecnológica e virtual?


Trata-se de indagação que obviamente não se pretende responder aqui. Por ora, deixo como apontamento o fato de que, como se viu, a pergunta-título não foi respondida, o que poderia representar um grave erro. Todavia, se a questão me surgiu como ímpeto de um incômodo, talvez agora, com um pouco mais de reflexão, à pergunta-título devesse se somar - ou ser substituída mesmo - a seguinte: “Como jogar tudo ‘nas costas’ da dignidade da pessoa humana?”. Um questionamento absurdo, passível claramente de reparos - a começar pela exclusão do pronome “tudo” -, mas que sinaliza a necessidade do fazer cuidadoso, do ir em frente com prudência quanto à aplicação de um princípio tão relevante.


Nesse sentido, acredito que a leitura do livro de Sarmento consiste em uma atividade interessante para refletir sobre essa preocupação. Isso porque o autor apresenta uma metodologia de aplicação desse princípio, que pretende fixar certa rigidez quanto ao seu uso, na medida em que o/a intérprete deverá seguir, obrigatoriamente, determinados passos.

SARMENTO, D. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. Belo Horizonte: Fórum, 2016.


PERLINGIERI, P. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.


AZEVEDO, A. J. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, v. 97, 2002, p. 107-125; VILLELA, J. B. Variações impopulares sobre a dignidade da pessoa humana. In GONÇALVES, F. (Org.). Superior Tribunal de Justiça: 20 anos. Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 2009, p. 559-581; BARROSO, L. R. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2014; e MORAES, M. C. B. de. O princípio da dignidade humana. In MORAES, M. C. B. de (Org). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 1-60.


MORAES, 2006, p. 6. Apesar dessa dificuldade, vale a pena ter em mente que “[...] não restam dúvidas de que a dignidade é algo real, algo vivenciado concretamente por cada ser humano [...]”. SARLET, I. W. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. RBDC, São Paulo, n. 9, jan./jun., 2007, p. 364.

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