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As Diretivas Antecipadas de Vontade como manifestação do paradigma do pluralismo social



Vivemos em um mundo onde as relações sociais tornam-se cada vez mais complexas: sob o paradigma contemporâneo de que as sociedades se constroem em alicerce cada vez mais diversificado e plural, somos seres dotados de subjetividades, vontades e opiniões que, sobretudo, encontram respaldo em nossos textos constitucionais para se desenvolverem, aperfeiçoarem e externarem. Assim sendo, uma sociedade plural, composta da soma de subjetividades, naturalmente não comportará que todos os indivíduos que a integram compartilhem da mesma noção do bem comum e do bem individual.


A noção de que lidamos hoje com uma infinidade de concepções do que seja o bem comum e o bem individual certamente nos conduz para a certeza de que, invariavelmente, a colisão entre valores sobrevirá e se manifestará em diversas searas de nossas vidas. Quando nos deparamos com situações-problemas envolvendo saúde e escolhas terapêuticas no fim de vida, não é diferente. Na maioria das vezes estaremos diante de dilemas éticos e colisões de valores, seja entre profissional da saúde e paciente, seja entre paciente e familiares – levando em conta que os conflitos se tornam particularmente mais densos quando o paciente assume uma postura de desapego à manutenção de sua vida a qualquer custo.


Assim, as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), enquanto instrumento que viabiliza a uma pessoa que se manifeste acerca dos tratamentos que deseja ou não ser submetida em uma fase que a sua incapacidade decisional lhe impede de manifestar com atualidade sua real vontade, deve ser compreendida também como um mecanismo de exercício da autonomia do sujeito – que nada mais é do que a manifestação de seus próprios valores - e do seu consentimento informado.


Como em grande parte das situações fáticas o médico, demais profissionais da saúde e paciente se constituem como estranhos morais[1], certamente compartilharão distintas visões de bem comum. No entanto, não deve ser a decisão do paciente - que expressa seus valores e suas acepções de bem - ignorada a despeito de colidir com o que a medicina, numa tradição paternalista, vem indistintamente considerando como o melhor interesse do paciente.


Garantir que o paciente seja o próprio autor da sua vida até os momentos finais, sem que a eventual colisão de valores com seus familiares ou esquipe médica sobrevenha ao exercício de sua particular noção de bem e vida boa, passa pela confecção das DAV e, sobretudo, pelo estímulo de que estas sejam sem qualquer discricionariedade respeitadas, pois revelam o consentimento informado, livre e esclarecido do paciente, expressão maximizada da liberdade de autodeterminação do sujeito. Afinal, uma sociedade plural não somente se manifesta na diversidade de quereres e concepções de mundo, mas, fundamentalmente, fortifica-se no respeito ao exercício destes.


[1] Nesse contexto, por estranhos morais entende-se sujeitos que se encontram em posições opostas em uma mesma situação fática, o que lhes atribui visões sob prismas distintos acerca de um mesmo fato.


Referências bibliográficas: NUNES, Rui. Diretivas antecipadas de vontade. Brasília- DF: CFM/Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, 2016.





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