Por uma necessária revisão da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (STF)
Ainda atualmente, grande parte do regramento referente às relações familiares e afetivas é fruto de outro cenário social e jurídico e que não se coaduna com os valores de liberdade, e, por conseguinte de autonomia, positivados no texto constitucional de 1988, resultando numa intromissão indevida e injustificada nos arranjos patrimoniais familiares.
Nesse sentido, analisemos a súmula vinculante 377 do Supremo Tribunal Federal (STF) que dispõe que “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Porquanto, tal súmula descaracteriza o regime de separação legal (equiparando-o ao regime de comunhão parcial) e “exige”[1] um esforço conjunto dos cônjuges na aquisição dos bens na constância do matrimônio.
Recentemente, em sede de Recurso Administrativo (nº 1065469-74.2017.8.26.0100), a Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), afastou a aplicação de tal entendimento sumulado. Desse modo, admitiu a habilitação para casamento com adoção de regime de separação universal de bens, prevalecendo o pacto antenupcial que estipulava a incomunicabilidade absoluta de aquestos.
A Súmula 377 foi editada tendo por base o artigo 259 do Código Civil de 1916, o qual previa que “Embora o regime não seja o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento”[2] e que não encontra semelhante no Código Civil de 2002. Parte da doutrina entende que por esse motivo a referida súmula estaria superada após a entrada em vigor do atual Código Civil e não se aplicaria aos casamentos posteriores a 11 de janeiro de 2003. Além disso, na hipótese de comprovado esforço comum na constituição do patrimônio a respectiva partilha seria justificada pela constituição de uma sociedade de fato e não pela meação.
Conclui-se pela necessária revogação da súmula 377 e pelo reconhecimento de que, salvo em determinadas hipóteses excepcionais, caberá aos nubentes a livre determinação quanto ao regime patrimonial do matrimônio (comunhão parcial de bens; comunhão universal de bens; separação absoluta; participação final nos aquestos; dentre outros)[3].
[1] Observe-se que há forte divergência jurisprudencial se tal esforço conjunto pode ser presumido ou se exige comprovação no curso do processo de partilha. Exigindo a comprovação do esforço comum para a comunhão dos aquestos: STJ, REsp nº 646.259/RS, 4º T, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 22/06/2010. Em sentido contrário: STJ, Agravo Regimental no REsp nº 1008684, 4° T, Rel. Min, Antônio Carlos Ferreira, julgado em 24/04/2012.
[2] Prevalece o entendimento de que mesmo com a revogação do referido dispositivo a Súmula mantém suas condições de validade e eficácia. Nesse sentido: REsp 1689152/SC, rel. ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017.
[3] Cumpre mencionar que alguns defensores da validade da Súmula 377 argumentam que ela constituiria um importante mecanismo de correção da separação obrigatória em virtude do critério etário, evitando o enriquecimento sem causa de um dos cônjuges. Com todo respeito a este posicionamento, e concordando com a institucionalidade de referida hipótese legal de separação obrigação de bens, entendo que ele é injustificado e sob o propósito de promover um valor jurídico (a autonomia, no contexto das pessoas maiores de setenta anos), coloca em xeque o mesmo valor jurídico na hipótese das demais pessoas que desejam optar pelo regime de separação de bens.