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Sobre uso off label de medicamentos e como uma fake news foi parar no meu TCC


“Anvisa proíbe venda de Dramin por uso indiscriminado como tratamento para insônia” (Facebook, 2018). Convencido por esta fake news, levei o assunto para amigos e família, discuti em rodas de conversa com colegas nas cantinas da faculdade e no R.U., debati a pauta com meu orientador e cheguei até mesmo a escrever um parágrafo sobre ela na conclusão de meu TCC. Convicto estava porque a manchete me levou a crer que o exemplo mais clássico de uso off label de medicamentos havia sido proibido em razão do paternalismo sobre tomada de decisões em questões de saúde. Nesta semana, meu texto da coluna (que, incialmente, discutiria a proibição do Dramin®, diga-se de passagem), vai levantar esses pontos, questionando a possibilidade desta situação ocorrer, da notícia falsa transformar-se em verdadeira.


Off label é o termo em inglês adotado para designar medicamentos que têm mais de uma aplicação, embora não sejam todas indicadas na bula. O dimenidrinato (substância ativa do Dramin®), por exemplo, é um medicamento indicado para prevenção e alívio de náuseas e vômitos causados na gravidez, no pré e pós-operatórios de tratamentos gastrintestinais ou por movimentos não habituais, como viagens de navio, avião ou ônibus. Dentre as reações adversas causadas pelo remédio, a mais frequente é a sedação – motivo pelo qual ganhou uso off label popular como indutor de sono. Não há recomendação clínica do dimenidrinato para o tratamento da insônia, mas é comum pessoas comprarem Dramin® sem receita médica e tomarem um comprimido para uma boa noite de sono.


A experimentação off label é uma característica marcante da farmacologia. Sua história é repleta de casos de medicamentos que foram desenvolvidos para uma finalidade e acabaram sendo benéficos para outras. O exemplo do Viagra® é outro clássico. O laboratório Pfizer, responsável pelo seu desenvolvimento, procurava uma substância que combatesse a angina (dor peitoral causada pela redução do fluxo sanguíneo para o coração), e acabou descobrindo que sua substância em teste provocava rapidamente a maior irrigação de sangue no pênis, permitindo o tratamento de disfunção erétil.


Na doutrina brasileira, a situação da prescrição off label de medicamentos se concentra em matéria de responsabilidade civil. Prevendo as consequências negativas advindas desta prescrição, os doutrinadores que analisam o tema levantam questionamentos se a responsabilidade, subjetiva, recai sobre o médico ou a agência reguladora que fiscalizou o medicamento, ou se, objetivamente, sobre ou o laboratório que a produziu, por força do risco empregado na atividade. Proponho, contudo, outro ponto de vista da questão: se o paciente, ciente dos riscos e devidamente informado, quiser realizar uso off label de determinado medicamento (o que, ainda em responsabilidade civil, eximiria o dever indenizatório por culpa exclusiva da vítima). Minha pergunta se desenha da seguinte forma: pode o Direito, ou a Medicina, limitar sua autonomia para tanto?


Trata-se de uma discussão mais profunda no campo da bioética: o paternalismo sobre tomada de decisões em questões de saúde. O paternalismo, nas palavras de Gerald Dworkin, em seu clássico texto de 1987 intitulado Paternalism, ocorre quando existe uma interferência na liberdade de ação do indivíduo justificado por razões que se referem ao seu suposto benefício, ao seu bem-estar e seus interesses. Ao Direito Civil importa o fato de que o paternalismo, que deveria perder espaço para o exercício das liberdades garantidas constitucionalmente, se mostra cada vez mais presente nas questões envolvendo saúde e a relação médico-paciente, vide situações de internação compulsória, recusa de tratamento médico por pessoas capazes e limitação externas da vontade para doação de órgãos.


Não tenho espaço para discutir cada uma delas, mas volto à possibilidade, provavelmente fictícia, que levou o início da discussão: poderia a Anvisa proibir a circulação do Dramin® por considerar que a circulação do medicamento como indutor de sono não serviria ao seu propósito primário e que seus usuários, mesmo capazes, não poderiam optar por seu uso off label? Evidentemente que não. Porém, diante da jurisprudência civil e da prática médica e sanitária brasileira, preocupante se torna o fato de que tal fake news poderia, facilmente, ser recebida como verdadeira.


A coluna de hoje não possui uma conclusão, mas se encerra com uma lição: crianças, não utilizem notícias de fontes não verificadas como tópicos de seus TCC’s!

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